Seis anos mais tarde e uma xícara qualquer de café

Se viram em um dia qualquer por ai, em uma rua qualquer e ele a chamou para ir tomar café em um recinto conhecido que costumavam ir constantemente quando estavam juntos, seis anos antes. Quando os traços ainda eram frágeis, as roupas eram mais escuras e maiores, os cabelos cresceram e alguns apetrechos tinham surgido nos dois. Seis alargadores, cinco piercings e algumas tatuagens muito bem cobertas com exceção de uma na lateral do pescoço dela que quando as mechas coloridas que ficavam na parte de baixo de seu cabelo negro se movimentavam, era possível visualizá-la. Tarde bem fria, um tanto quanto incomum de outono e caminharam calmos, sem saber muito o que ou como falar qualquer coisa que fosse. Minutos se passaram e o silêncio se partiu quando ela, sincera, tirando uma mecha de cabelo chata da frente do olho, sorriu sem graça dizendo:
-- E então,  como anda a vida? Não nos vemos desde aquele dia no metrô.
E era verdade. Haviam se visto de passagem no metrô um dia e nunca mais e já haviam se passado cinco anos desde este ocorrido. As coisas haviam mudado e por alguma razão ele não estava se sentindo muito bem com aquele silêncio incômodo, então respondeu involuntariamente cuidadoso:
-- Verdade. Mas anda boa.... Como sempre esteve. E a sua?
-- Ah sim, que bom que anda boa. Normal. A mesma coisa de sempre.
-- Conseguiu alcançar seu sonho?
-- Oi?
-- Seu sonho. Aquele de ser uma grande engenheira química que você vivia falando quando estudávamos juntos. Me disseram que você foi aprovada em uma das melhores universidades do país em uma das primeiras chamadas...
-- Fui sim, na segunda.
-- Mas e então, conseguiu?
-- Acho que estou no caminho certo de conseguir. Mas ainda falta muito pra poder conseguir atingir esse sonho em totalidade.
-- Por quê?
-- É algo que demanda tempo...
-- Não. Por que acha que está no caminho certo?
-- Ah, estou indo amanhã de manhã para a Suécia. A empresa em que estou trabalhando está bancando minha viagem e passarei 24 dias como auxiliar em um centro de pesquisa lá.
-- 24 dias no Norte Europeu? Quem diria, meus parabéns!
-- Obrigada. Agora, me desculpe mas está tarde e tenho que ir,  quero chegar antes do meu noivo em casa hoje já que fui liberada mais cedo.
-- Está noiva?! 
O rapaz perguntou estupefato, nunca imaginaria que aquela garota que um dia fora sua namorada e que um dia fora considerada a garota mais rejeitada de sua série no ensino médio, estaria noiva agora de um completo estranho. Era um baque e ele não sabia o porquê de tamanho baque se ele havia esquecido-a por completo e mantido apenas a consideração por ela como pessoa. E agora se perguntava se realmente a tinha esquecido ou se apenas tinha se convencido do fato...
-- Sim, estou.
-- Posso saber de quem?
-- Um cara que conheci na faculdade. Ele fazia engenharia civil mas nos cruzamos algumas vezes seguidas e acabamos nos aproximando, namorando e mês passado ele me pediu em casamento.
-- Vão conseguir reconciliar o relacionamento a distância?
-- Sim. Sempre conseguimos. A última vez que ele viajou todas as noites ficávamos conversando por telefone e por vídeo-conferência.  Uma vez dormimos em frente ao computador e acordamos na mesma chamada. Conseguimos nos virar bem com essa de distância.
-- Ah, então tudo bem. E... Melhor você ir, não quero ter culpa caso seu planejamento não dê certo.
-- Imagina, sem problemas mas já vou. Foi bom te ver de novo.
-- Foi bom te ver também...
E ela partiu. Tinha prendido o cabelo em um coque no alto da cabeça e assim foi possível ver suas quatro cores de cabelo. O negro e as outras três cores bem animadas que se encontravam saindo todas de sua nuca. O rapaz a olhou, de longe, sem pretensão nenhuma, mas com um pouco de dor, um pouco de saudades. Lembrou do tanto que estiveram juntos e dos planos que faziam, mas agora via ela feliz com outro e pronto para se afastar do mundo que um dia ela esteve completamente imersa. 
Ele também partiu. Virou as costas, acendeu um cigarro e tirou uma tragada antes de sair andando de volta à seu destino, pensando no quão o mundo era irônico...

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