Meia calça, ilusões e futuro

As pernas estavam retas, cobertas por uma meia calça azul escura de estampas florais, e apoiadas na parede marfim enquanto os pés estavam em ponta, os dedões encostados na mesma parede. As costas estavam na cama e o sangue estava descendo todo para a cabeça enquanto os cabelos castanhos claros caíam em cascata até a ponta atingir o tapete felpudo e branco. Respirou fundo uma, duas, três vezes e levantou a cabeça para que o sangue parasse de descer todo e se inclinou levemente para o lado, fazendo a cabeça ir para a cama com os cabelos se bagunçando cada vez mais. 
Observou o teto do quarto que tinha personalizado algum tempo atrás. Forrou letras de papelão com tecido e formou frases "Have a little faith in me" e "Forever is a long time but i wouldn't mind spend it by your side" e colou no alto, com várias "nuvens" de algodão por baixo, como se as letras estivessem flutuando... Isso lhe fazia pensar muito. Quem era, o que fazia ali, pra onde iria após o fim do ensino médio? De que adiantava ter decidido que carreira seguir baseando-se em coisas que ela gostava, se ela nem ao menos podia ter alguma certeza de que ela não estava iludida ao escolher aquilo? 
Irônica a duvida não? 
Talvez sim, talvez não. Mas de que adiantava se ela não tinha como ter certeza de nada agora? Se ela pressentia que a única maneira de saber se estava iludida com suas escolhas ou não era se jogar de cabeça e depois escalar de volta até a estaca zero? Ironicamente, a estaca zero não é tão estaca zero assim. É um momento em que você percebe que você pode estar certo da mesma maneira que pode estar errado e consequentemente percebe que a estaca não é tão completamente zero porque no fundo no fundo, você viu que você se iludiu com alguma coisa e então acaba tirando essa "alguma coisa" do seu caminho para que aos poucos você descubra algo com o qual não se iludirá.
E talvez ela acabou vendo que talvez a vida fosse como uma das rosas que se encontrava na estampa de sua meia calça. Parte do escuro e segue com vários espinhos até chegar na flor que é o fim e que é belo. E na mente da garota dos cabelos castanho-claro, o nascimento era o escuro e a morte era a flor, o ápice principal de sua existência. É a queda completa de seus batimentos cardíacos mas é o pico de sua existência, o fim de sua narrativa e o momento em que você enxerga a luz. Não é uma boa coisa a ser escolhida, mas é algo que valhe a pena pensar as vezes, que vale a pena não temer e simplesmente aproveitar os momentos que se passem e quando ela vier, simplesmente acatá-la como uma velha amiga que não se vê à anos.
Respirou fundo uma, duas, três vezes e deixou o corpo cair na cama e então sorriu calma e pensou: "Pra que temer a ilusão?"

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