If you’re gonne, maybe it’s time to come home


O sorriso tinha sido roubado. As cores também. A vida e a disposição tal e qual.
Tinha recolhido as coisas do marido no hospital há dez meses atrás e ainda sentia os efeitos ao olhar as coisas que ficaram abandonadas naquela caixa dentro do armário da escada. Sessenta anos de casados. Era doloroso estar todas as noites naquela cama que o amor de sua vida deitara todas as noites ao seu lado e que tantas vezes estiveram abraçados, que tantas vezes se uniram e que tantas vezes trocaram carinhos que lhe acalmavam todas as vezes que ela tinha medo de que um ladrão estivesse prestes à invadir aquela casa enorme de três andares em que criaram seus oito filhos, os vinte e quatro netos e o primeiro bisneto que vieram em sequência.
Muitas lembranças guardadas dentro daquelas paredes. Felizes – como as primeiras palavras de seus filhos, netos e bisneto e os doces que criava com os netos, o que fez com que um deles descobrisse o gosto pela gastronomia – e infelizes – como o dia em que seu marido passou horrivelmente mal e teve de ser levado às pressas para o hospital, o que fez com que descobrissem a doença que ele tinha ou o dia em que a neta mais nova, de 18 anos, tinha descoberto estar grávida de um namorado que havia lhe abandonado – mas tinha muitos momentos armazenados. Parte de seus filhos estavam muito preocupados com ela e uma outra parte, não tinha muitas preocupações e acreditava que era normal porque haviam apenas 10 meses que o pai falecera.
Um dos netos mais apegados à velha senhora, no meio de todas as conversas com os primos e os pais e tios de como deveria animar a avó, lembrou-se de que tinha ouvido o avô, enquanto estava no hospital, falar que ela deveria tentar abrir o Café que ela queria abrir quando mais nova, mas que não havia aberto porque não tinha verba o suficiente para tal. Surgiu-se a ideia então de juntar uma certa quantia para abrir o Café na própria casa, no primeiro andar. Arrumava a casa para ser nos dois andares de cima e a arrumariam o primeiro andar para ser o tal Café...
Mais cinco meses se passaram e as obras estavam concluídas e era a primeira vez que a senhora veria como a casa ficou depois de tudo. Entrou de olhos vendados, o bisneto de dois anos na frente, e os dois filhos mais velhos lhe guiando pelas mãos enquanto os outros familiares filhos, genros, noras, netos, netas(...) aguardavam ali dentro do que seria o que o neto que havia feito culinária chamaria de “Novo Maior Café da Cidade”. Destamparam-lhe os olhos e ela sorriu, todos os familiares estavam lá e o lugar estava lindo, incrível... A terceira filha, que morava na casa ao lado, disse que aquele momento foi o primeiro momento que vira a mãe chorar de alegria desde o falecimento do pai.
A idosa estava contente outra vez, vendo tudo aquilo que sua família tinha feito por ela e, de noite, quando foi dormir, pensava que uma das melhores coisas que lhe acontecera naquele dia foi ver o filho mais novo que estava morando no Rio de Janeiro há aproximadamente oito meses. Foi dormir feliz e sorriu com o fato de que naquele dia, todos tinham decidido dormir na casa enorme, se dividindo nos quatro dormitórios da casa e os que não cabiam, ficaram por dormir na casa da filha que morava ao lado e de manhã todos estavam reunidos e a velha senhora viúva tinha certeza de que não ficaria tão feliz como naquele dia tão cedo...
Um ano mais tarde e o Café funcionava perfeitamente, era colorido, vivo, animado... Estava sempre movimentado e vinham pessoas de toda a Irlanda experimentar o famoso café da manhã repleto de variedades que estava sempre conquistando as pessoas que entravam e saíam de lá. Contavam umas para as outras do lugar, dos salgados, dos bolinhos, dos cafés e dos lanches caseiros que a idosa e alguns membros da família montavam. E todas as noites ela se lembrava do marido falecido, mas agora não chorava ao observar uma foto dos dois que guardava debaixo do colchão. Ela beijava a foto, e agradecia-o todos os dias por ter existido, mas principalmente, por ter vivido por tanto tempo ao seu lado...

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