Mercador e poeta de Veneza

Um outro dia qualquer, o mercador se deparou com um rapaz, que aparentava estar em seus 19/20 anos, anotando algo em uma caderneta de capa de couro à beira dos canais. Os cabelos eram louros e os traços eram consideravelmente belos, chamariam a atenção de qualquer donzela que se localizasse pela região. Em um outro dia, o mesmo rapaz, anotando outra vez algo no mesmo caderno... Os dias se passavam e sempre o rapaz estava ali escrevendo, até que um dia, talvez fatídico dia, o mercador decidiu parar ao lado do jovem e perguntar-lhe quem era e o que tanto escrevia, quando este ergueu o rosto, os cabelos saindo do mesmo, respondeu-lhe:
"Sobre o amor, meu amigo. Já que não sei nada sobre amor, estou escrevendo sobre ele, talvez assim eu aprenda mais."
"Mas e todas as damas que o procuram, rapaz?"
"Elas não sabem o que é o amor. Não o amor que procuro pelo menos. Elas querem um rapaz que lhes acompanhe durante uma noite e que seja especialista em fugas antes do amanhecer para que seus pais, maridos e noivos não veja. Elas querem alguém para lhe suprir a carência deixada por aqueles noivos que nunca lhes dão atenção."
O mercador pensou um pouco sobre isso e logo o rapaz prosseguiu.
"E você? Já amou? Sabe o que é o amor?"
Ele pensou. Pensou mais um pouco e pensou mais ainda. Já tinha amado tantas moças enquanto viajava, era só citar uma. Na verdade, talvez ainda tivesse se apaixonado apenas uma vez. Lembrava-se de uma moça em especial quando tinha 20 anos. Ela era a moça mais bela que um dia vira na vida, uma burguesa que sabia que de burguês ele nada tinha, mas que mesmo assim, lhe permitiu viver a maior experiência de amor que durou exatamente cinco noites, quatro manhãs e quinze maçãs até que ela soubesse que tinha um noivo. Durante as cinco noites ela tinha sido sua e ele dela e se amaram com grande intensidade.
Pois bem, enfim.
Essa era a única lembrança real de apaixonar-se que ele tinha.
"É, parece que não sabe. Na verdade, nós não sabemos amar. Na maior parte das vezes morremos antes de saber o que é amar" o rapaz disse "Por isso quero ser poeta. É o único jeito que posso conhecer o amor de verdade sem que algum dia eu tenha que senti-lo, já que não sei fazer isso mais."
"Não acha que um dia vá encontrar o amor? É moço ainda. Pode encontrar o amor em algum lugar."
"Tenho a ânsia de todo jovem de querer que as coisas aconteçam rapidamente. Quero o que todo jovem quer, um amor intenso que me tire o fôlego, mas se não o encontro física ou pessoalmente, vou atrás do que possa substitui-lo."
"Deveria parar de ter pressa rapaz. Há muito nesse mundo a ser feito ainda e não adianta você ter pressa e desesperar-se atrás de algo que um dia lhe virá"
"E não me respondeu então. Já amou ou sabe o que é o amor?"
"Rapaz, há tantas histórias para serem contadas sobre amor na minha vida. Viajei bastante. Mas preferi o que há aqui em Veneza. Meu grande amor são os canais"
"O amor pode ser um objeto?"
"Seu grande amor, ao que me parece é esta caderneta. Lhe acompanha frequentemente, independentemente de em quantas camas você tenha aquecido ou quantas moças você tenha encantado e se encantado. Encontre algo que lhe complete. Encontre uma magia neste mundo que parece perdido."
"Eu poderia acompanhar-lhe senhor? Manter-me em seu barco por um tempo, recitando poesias aos transeuntes da cidade, chamando atenção dos mesmos para nós?"
"Poderíamos tentar meu rapaz, poderíamos muito bem tentar esta experiência..."
E o poeta embarcou e o mercador continuou remando em sua gôndola com seus produtos e agora, o jovem recitando alto várias poesias, atraindo a atenção de todos que cruzavam os caminhos que eram traçados dentro da bela Veneza....

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