Gato, meu querido amigo gato,

Não sei de onde surgiu, ou porquê surgiu, mas surgiu.
Acomodado no parapeito da janela se banhando com luz solar, logo após meu jardim tão bem cultivado, deitado por cima das patas e observando o movimento de dentro e de fora de casa, quase que à espreita, só esperando o momento em que eu me dirigisse ao sofá mais próximo de onde você estava e começasse a miar, querendo atenção. 
Você era esbelto demais e tinha pelo macio demais para que fosse mais um gato de rua em busca de comida. Tinha jeito de estar perdido e querendo um carinho que talvez não tivesse, então devido à minha solidão frequente, não havia problemas de lhe dar tal atenção, então deixei que viesse se ajeitar no meu colo enquanto eu lhe coçava a cabeça e você ronronava aceitando o carinho. Colegas já haviam me sugerido de adotar um animal ou uma criança, mas depois do divórcio perdi a vontade de tal. 
Acho que a culpa foi minha dessa perda de vontade.
Depois de ter descoberto que não poderia ter filhos por uma série de crises genéticas e depois de ter tentado fecundação artificial e nada ter tido sucesso, acho que me fechei tanto e me dediquei total e exclusivamente ao meu trabalho que isso deve ter levado meu marido à ir buscar alguns tipos variados de consolo com uma das colegas de mais longa data do trabalho dele e acidentalmente eu tê-los pego no flagra quando fui surpreendê-lo um dia, que saí mais cedo do trabalho, para fazermos um jantar à dois, que há um bom tempo não fazíamos.
Acho que a surpreendida fui eu naquela noite.
Mas o surpreendi também com o flagra e que quando ele voltou para casa suas roupas, caixas de cigarro e pertences já estavam empacotados na soleira. Poupei-lhe o trabalho de entrar e buscar suas coisas porque até a chave de seu carro deixei lá. Estava exigindo que ele saísse de casa porque na manhã seguinte eu colocaria a casa à venda. Estava em meu direito porque o imóvel estava no meu nome. Iria me mudar para a casinha do meu "pé de meia" que eu já adquirira -- em meu nome -- há um tempo, só até encontrar um lugar para morar e reorganizar minha mente.
Achei essa casa, alguns meses depois e aqui estou eu, dois anos quinze semanas e cinco dias mais tarde completamente sozinha num domingo, deitada no sofá, com o sol na barriga e um gato estranho e de pelo exageradamente macio ronronando querendo carinho e atenção, cutucando minha costela com o focinho cor de rosa. 
Capaz que tanto tempo sozinha, sem um amor, filhos ou companhia, habitando essa casa relativamente bem grande, nessa vizinhança cheia de familias felizes alegres e contentes tenham me feito enlouquecer, além da amargura e do envelhecimento precoce de meu emocional, porque eu estou dialogando com um gato que nunca vi na vida. Que se alojou no parapeito da janela e que gostou de ficar deitado no meu corpo.
Provavelmente meu problema é a solidão. Esse excesso de solidão e por isso estou dialogando com você meu amigo, meu querido amigo gato, que de agora em diante, lhe cedo o parapeito da janela e a barriga para quando quiser carinho ...   

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