Porque vi estrelas...

Deitou-se de costas para a grama e observou os milhões de estrelas piscarem incessantemente diante do verde de seus olhos. Encarar cada uma das estrelas era o mesmo que lembrar de cada um que partira da frente de seus olhos para um lugar melhor, quando prometeram que todos voltariam sã e salvos para casa. Isso foi dito até para aquela idosa solitária do leito vizinho. 
A dona dos olhos verdes segurou sua mão com força e a idosa fora encaminhada, com o primeiro sorriso sincero da idosa que ela vira desde que fora confinada dentro das resistentes paredes do hospital. Três anos com uma frequência enorme dentro do mesmo local faz com que seja fácil que você conheça os que trabalhem à seu redor. Essa idosa era solitária, morava sozinha porque o marido era falecido e os filhos viviam suas vidas em outros países. Era deprimente a história daquela senhora. Segundo as enfermeiras, ela deixou de sorrir depois que os filhos pararam de ligar e a garota, que há seis meses morava dentro do hospital, nunca vira a idosa sorrir até o dia de sua cirurgia. Mas então, não vira mais a idosa, que apesar de silenciosa, era amável...
Passou a mão livre pela própria cabeça, onde antes tinha uma vasta massa capilar, mas agora... Só alguns poucos fios ralos e dourados. Fechou os olhos e respirou fundo antes de olhar para o lado e ver sua outra mão com os dedos entrelaçados ao do rapaz de cabelos loiros que observava as estrelas atenciosamente, analisando cada uma minuciosamente, como se elas pudessem lhe dizer algo sobre qualquer coisa que lhe afligia. Sentiu os dedos se entrelaçando com mais força, como se fossem um apoio ao rapaz. 
Encarou-o por mais um tempo, em completo silêncio, e depois voltou a encarar as brilhantes estrelas no céu noturno.
Podia passar a noite admirando-as daquele jeito que ela não se importaria. Poderia até ter ficado sem fazer a cirurgia, que se passasse seus últimos minutos ali, morreria feliz. Agora poderia passar mais alguns anos vivendo, mas não tinha muitas garantias disso. Mas naquele momento não queria garantias. Queria apenas estar ali...
Lembrou-se de quando o rapaz foi visitar a mãe, que estava no leito ao lado, e então eles se conhecerem. A mãe dele adorava os desenhos que ela fazia para passar o tempo então fez questão de apresentá-los, fazendo assim com que se entendessem e mesmo depois do falecimento da mãe dele, ele continuasse a ir no hospital visitá-la e, com uma pequena ajuda das enfermeiras que cuidavam do setor, ele as vezes à levava para a cobertura para que ela pudesse sentir um pouco o ar fresco, e lhe trazia doces de vez em quando já que em maior parte do tempo os pais dela estavam trabalhando para poder pagar a estadia dela no hospital.  Respirou fundo e piscou um pouco, percebendo que os olhos do rapaz ao seu lado se fixavam em seu rosto.  Sorriu e o encarou, os dois sorriram. Poderiam estar ali para sempre que o mundo deixaria de existir...
Na manhã seguinte, a garota receberia alta, seus pais estavam ansiosos para levá-la para casa, mas quando chegaram ela estava dormindo, dormindo e cada vez mais dormindo. Chamaram enfermeiros e médicos para acordá-la de seu sono profundo, mas sem sucesso. Ela não acordou. Ela finalmente dormira em paz. Contente por ter esquecido o mundo por uma noite e em uma última carta que escrevera na noite anterior, quando voltou, afirmou.

"(...)Eu vi as estrelas após tantos anos e eu vi que esquecer do mundo vez ou outra faz bem. Não se preocupem, porque quando lerem essa carta eu já terei partido, mas quando eu tiver partido, terei partido feliz(...)"

A mãe da garota soltou o papel no chão e chorou como nunca tinha chorado antes, mas sorriu. Sorriu porque sua garotinha finalmente ficou plenamente feliz...

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