Santa Claus

Sentou ao pé da árvore de Natal, no tapete vermelho circular que rodeava a mesma, abraçada com um urso de pelúcia escuro e velho. Estava com o camisolão da avó e pantufas, perfeita para dormir em uma noite gelada como aquela. Tinha biscoitos e um copo de leite em uma banquetinha de madeira ao lado da árvore e tinha certeza que colocaram lá apenas porque seus primos menores estavam lá. Ela era a mais velha, dentre os mais novos, e por alguma razão não conseguia gostar do Natal, era uma época tão sem graça e babaca que não via razão para ocorrer. Todos os anos ficava vestida em suas habituais camisetas com frases ou estampas de banda e jeans com o coturno gasto e sentava-se no sofá enquanto observava seus primos de 4 anos correrem pela casa dizendo como o Papai Noel era legal de trazer presentes para eles todos os anos.
Revirava os olhos e pensava: como uma criança podia ser tão inocentemente desavisada de acreditar que o "bom velhinho" é que vinha lhes trazer presente todos os anos. Era seu avô que se vestia sempre com a roupa vermelha e vinha com um saco cheio dos presentes. Depois que parara de acreditar, decidiram fazer isso ver se ela voltava a acreditar.
Mas sem sucesso, obviamente. 
Naquela noite por alguma razão desconhecida por si mesma, decidiu descer enquanto estavam todos dormindo no andar de cima. Parecia patético e infantil, mas ela tinha chegado aos 19 anos ainda dormindo com um ursinho que ganhara aos 10 anos e acreditava que aquele urso era o pouco da magia infantil que ainda sobrara nela após todos esses anos. 
Sentada no pé da árvore observou atentamente todos as luzes que envolviam a árvore e todos os enfeites que lhe decoravam até encontrar algumas bolas que ela nunca tinha reparado antes. Uma azul que tinha escrito "Primeiro Show de nossa filha" e embaixo, a data da primeira apresentação que ela e a banda que ela tinha com os amigos fez em um bar "grande". Um pouco distante tinha uma vermelha com a data do dia que ela foi pular de paraquedas, que ela afirmava ter sido o melhor dia de sua vida. Uma amarela com o casamento dos pais com uma foto do dia impressa em preto e branco na bola. Por fim, achou uma verde com os dizeres em glitter prateado do dia que ela ganhou o urso que estava em seu colo. Piscou algumas vezes para ter certeza se via aquilo mesmo e continuou observando os enfeites com atenção até ouvir barulhos que lhe fizeram recuar. 
Escondeu-se, mas acabou esquecendo o urso no chão e quando voltaria para pegar já era tarde. Uma figura grande e barriguda entrou pela porta, trazendo um forte vento frio para dentro. Fechou a porta e mesmo no escuro ela pôde ver que a figura estava vestida exatamente igual ao Papai Noel que seus primos tanto falavam. Passou a mão de leve na longa e cheia barba branca para tirar a neve que caia brilhante em seus sapatos e então abaixou-se para colocar os presentes de baixo da árvore enquanto ela ainda estava escondida atrás do sofá observando atentamente cada movimento que o outro fazia. 
O bom velhinho depositou todos os presentes de baixo da árvore e o saco em suas costas continuou exatamente do mesmo tamanho e então se dirigiu para a lareira, onde 10 meias jaziam penduradas, inclusive a dela, e depositou doces e mais doces em todas, inclusive na dela, e a mesma poderia jurar que viu alguma coisa brilhante e luminosa caindo enquanto ele depositava os doces nas meias. Arregalou os olhos sem conseguir acreditar no que via e sem conseguir utilizar seu ceticismo para definir a razão em tudo aquilo.
Acho que estava partindo mas logo ele se voltou, pegou o ursinho no chão e se aproximou de onde ela estava, enquanto ela recuava silenciosamente. Ele a alcançou, estendendo-lhe a mão com o ursinho e a moça mantinha-se estática encarando aquele par de olhos extremamente negros, contornados por diversas rugas em uma pele inigualavelmente branca e um sorriso de transparência doce e acolhedora. Ela pegou o ursinho da mão dele, ainda assustada, mas o mesmo, com uma expressão doce naqueles negros olhos desconhecidos apenas disse:
-- Você só precisa acreditar para a magia acontecer...
E ela podia jurar que ele estava brilhando suavemente quando saiu, exatamente como entrou. Ajeitou o cinto e o casaco, o gorro também, o saco que não mudara de tamanho, e abriu a porta, saindo e sorrindo. Enquanto ela observava estática tudo o que ocorrera nos últimos vinte minutos de sua vida, sem entender nada do que havia acontecido. Abraçou o urso com força e respirou fundo, acalmando-se um pouco. Viu que os biscoitos não estavam mais lá e que não havia mais leite no copo, piscou algumas vezes para ver se era aquilo mesmo que vira e depois saiu andando escada a cima de volta a seu quarto, como se nada tivesse ocorrido...

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