The last confessions i could tell you...


16 de Outubro.
Tinham recebido a notícia e ali estavam eles, com as expressões pesarosas ao lado de um leito hospitalar.
A filha estava segurando a mão da mãe e chorando compulsivamente com a testa encostada na mesma, lamentando-se de que a mãe não deveria partir,  que deveria viver para sempre, que deveria ver os netos crescerem e ver o bisneto crescendo também. Lamentava-se também que deveria ter sido uma filha melhor, que deveria ter estado mais junto à ela, que deveria ter sido aquilo que a mãe mais queria que ela fosse.... Lamentava-se de tudo, enfim.
O filho mais velho, homem feito, exemplar, que correra do grande escritório em que trabalhava para o hospital para poder velar a mãe, porque por mais que não estivesse aos prantos como a irmã, estava infeliz e conseguia apenas apertar a mão da mãe, perguntando aos céus se havia sido um bom filho, se havia sido boa pessoa enquanto ela estivera em vida, perguntava mentalmente se tinha dado à mãe a atenção devida, ainda mais no fim de vida dela. Lamentava-se de tudo mentalmente, enfim.
Havia uma terceira pessoa em pé no cômodo, um advogado. Era quem leria a carta que a mãe escrevera. Um testamento, dizendo-se de passagem. E o advogado exigia que que os três filhos estivessem presentes para a leitura da carta, e só faltava um, que nem ao menos tinha pretensão de ir até lá por aquele horário, preferia aguardar que os irmãos saíssem para depois entrar. Era a ovelha negra da família...
Demorou, demorou, mas por um “insight divino”, o mais novo decidiu ir mais cedo para o hospital. Uma folga adiantada, um horário de almoço atrasado.... Algo relacionado. Era quase um moleque pelo jeito que se vestia, pelas tatuagens acumuladas pelos braços e pelo cabelo em moicano, mas ironicamente, era, foi e sempre será o que mais tinha juízo na família. Entrou no quarto onde a mãe jazia no leito, foi até ela, a irmã soltou a mão da mãe por repulsa do irmão e este pegou a mão solta e depositou um discreto beijo sobre a mão da idosa antes de ir até a cadeira que havia próxima e sentar-se de mal jeito enquanto o advogado pegava a carta e pigarreava para começar a ler.

“Gostaria de saber se minha previsão se realizará. A princípio de tudo, espero vir a falecer durante a noite enquanto meu filho mais velho volta para casa, cansado do trabalho, minha filha do meio esteja descansando esperando o filho voltar da balada e que meu filho mais novo esteja curtindo com a namorada algum show de rock no maior estádio da cidade. Avise-os somente na manhã seguinte para que eles possam descansar um pouco antes de receber a notícia. Esta carta escrevo para esclarecer coisas que podem não ter se esclarecido ao longo dos anos e para afirmar convictamente: eu não serei ressuscitada por métodos artificiais caso eu venha a falecer caso esses métodos me transformem em um vegetal. Desejo viver o máximo que Deus me permitir, assim como minha mãe, meu pai e todos meus parentes que viveram confortáveis, sem a necessidade de serem ressuscitados ou qualquer coisa do gênero. Não conseguiria viver uma vida vegetativa. Prefiro o fim definitivo à isso. Mas antes que entendam errado, comecemos os esclarecimentos: eu e seu pai fomos muito felizes e não o culpem por ter partido, ele tinha seus motivos.
Aquele ser humanos extremamente orgulhoso estava doente. Alzheimer. Não queria que ficássemos cuidando dele enquanto ele se “inutilizava”, nas próprias palavras dele. Preferiu ir para algum asilo para morrer sozinho. Como eu soube disso? Ele deixou uma carta em nossa caixa de lembranças dizendo tudo e depois fui visitá-lo no hospital antes de esquecer tudo. E ele me pediu para não contar nada a vocês. Acompanhei-o todos os dias até seu falecimento, e por isso que vocês só estão sabendo o que realmente aconteceu para ele ter desaparecido três anos atrás.
Agora, meus pequenos, tenho muito orgulho de vocês, do que se tornaram. Minha filha, não se preocupe tanto, você é uma ótima mãe, até melhor do que eu fui. Não se preocupe. O garoto é uma ótima pessoa e extremamente inteligente apesar de ser teimoso e respondão. É difícil de lidar, com certeza, mas você vem fazendo isso maravilhosamente bem. Meu querido mais velho, você é quase um exemplo. Bem sucedido, família estruturada e três crianças maravilhosas que eu admito ter muita curiosidade de vê-los adolescentes,se puxarem o gênio da mãe darão um pouquinho de trabalho, mas sei que conseguirão lidar perfeitamente com eles. Agora você, meu probleminha em pessoa, tenho tanto orgulho de você. Você sempre foi uma ovelha negra na família mas sempre foi quem me deu mais orgulho. Sua teimosia sempre me deu orgulho pois mesmo quando não te aceitavam, ali estava você em pé, firme e resistente, nunca mudando por ninguém e insistindo que era esse seu jeito meio insano que você seria feliz. E acho que você ainda vai achar a garota perfeita para você. Ela será insana, com certeza, mas vocês serão muito felizes juntos.
Enfim, esta carta deveria ser curta mas está mais longa do que eu imaginava, mas de qualquer maneira, espero que tenham compreendido algumas coisas. E sei que não fui uma mãe perfeita e também nunca serei pois sou humana acima de tudo, mas sei que criei bem meus pequenos que agora se tornaram adultos que digo de peito aberto e estufado “São meus bebês. Eu os criei e os deixei livres para crescer.”. Então hoje nesta carta, 16 de Junho, prevejo meu falecimento antes do Halloween, já que sei que não tenho muito tempo. E espero que vocês sejam capazes de ver o quanto devem ter orgulho de si mesmos...
Com amor,
Mãe.”

Os dois filhos mais velhos olharam para o advogado, havia um pesar extra no olhar deles, enquanto o mais novo se aproximava mais do leito e abraçava a mãe, dura e gélida e derramava algumas lágrimas teimosas por não ter se conformado ainda que a mãe tinha tanto orgulho dele. A figura carinhosa da idosa sempre se fez presente e se faria presente outra e outra vez e toda as vezes que fosse necessária que ela reaparecesse ali porque durante o silêncio dos filhos, tudo se acalmava entre eles...

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