Now will it matter after I'm gone?

Por mais que confortável aquele trono fosse, ele cansava.
Não era tédio que a moça sentia, era cansaço. Era cansaço psicológico e quase nada de cansaço físico que ela necessitava para pregar os olhos durante a noite, então passava os dias destruindo suas forças físicas para poder dormir, mesmo que fossem dez minutos, ela necessitava daquilo porque o cansaço psicológico vinha lhe destruindo aos poucos, dia após dia e ela não sabia quanto tempo mais duraria daquela maneira tão torturante.
Ainda não compreendia, tinha todas as riquezas materiais possíveis, mas nunca sentia-se bem ou feliz.
O castelo dava-lhe claustrofobia, as inúmeras prisões e sentenças lhe enjoavam e aquelas pessoas lhe amando forçadamente lhe causavam profundo asco. Ela condenava centenas à prisão todos os dias mas em grande verdade, ela é que estava eternamente atrelada e acorrentada àquela maldição que chamavam de Família Real e desacreditava sempre que vinha alguém dizendo "Como a vida da princesa deve ser incrível" ou "Deve ser ótimo fazer parte da Coroa".
Em momento algum ela desmerecia aqueles de seu sangue, mas aquele mundo não fora feito para ela, não conseguia se adaptar àquela realidade por mais que tentasse e se esforçasse para tal, por mais que sua curta existência tivesse sido completamente constituída ali dentro daquele mundo cheio de refinarias. Ela não era livre em momento algum e aquilo a enlouquecia pouco a pouco...
Seu refúgio era cavalgando em seu corcel negro de olhos reluzentemente negros durante as tardes nos jardins do castelo ou quando fugia secretamente para a floresta e para o rio, que cortava a mesma, com seu lobo de estimação para correrem. As coisas nunca mudam dentro do palácio e aqueles momentos eram os únicos que conseguia respirar de verdade com alívio completo.
Nunca imaginou que as tão sonhadas mudanças aconteceriam e muito menos que elas viriam em momento tão oportuno como aquele inverno. 
Nevava, nevava muito, mas era naquela semana de Dezembro que conheceria seu noivo para seu casamento que seria marcado no dia seguinte ao de seu aniversário de 18 anos e esse era um momento que ela torcia para que nunca lhe viesse pois, se ela já não tinha liberdade, ao casar-se teria muito menos ainda. No dia que sua mãe lhe transmitiu a notícia, forçou-se a sorrir como se nada tivesse ocorrido e a noite fugiu com o lobo para a floresta e lá chorou. Debulhou-se em lágrimas acreditando que sua sanidade se esvaía a cada instante que passava. Ali então,pesou em atirar-se ao rio congelado e morrer de uma vez para livrar-se de tudo, mas suicídio nunca costumou ser boa ideia então desistiu rapidamente da mesma.
Enquanto raciocinava, um rapaz de aparência jovem e voz madura surgiu na clareira, do outro lado do rio que cortava a floresta, de armadura e carregando um elmo negro sob um dos braços. 
A moça se afastou enquanto o rapaz cruzava o gelo com classe e pedia para ela manter a calma enquanto o lobo rosnava. Ao ver que ele era "inofensivo" e que não lhe faria mal, ela o ouviu e ele afirmou saber o que fazer para resolver o problema da mesma, que chorava inconsolavelmente minutos antes, e que se houvesse disposição da parte dela, ele a ajudaria a fugir sem margens de erro. Ela não concordou pois ele não passava de um estranho que a ouvira lamentar e ele jurou que se ela voltasse ali todas as noites até a noite em que ela seria apresentada á seu futuro esposo, ela teria certeza de que ele era de confiança.
A garota partiu aquela noite, mas retornou durante as seguintes e em todas ele a aguardava na outra margem do rio e quando ela chegava, ele atravessava o gelo cautelosamente. Tratavam-se respeitosamente por Senhor e Senhorita e a princesa passou a reparar que poderia confiar no interessante desconhecido que lhe surgira, conforme o tempo que passavam juntos ele sempre em respeito com a moça, como um homem respeita uma mulher, não como um servo respeita seu soberano, e isto atraía fortemente a atenção da moça.
Chegada a tão aguardada noite do baile em que haveria a apresentação dos noivos, o príncipe que deveria casar-se com a moça sai da carruagem e logo em seguida, seu irmão sai. Um rapaz alto, de aparência jovem com uma armadura negra, com um elmo sob o braço e, da escadaria da frente do castelo a princesa pôde ver que seu Desconhecido Salvador, na verdade, era o irmão mais velho do príncipe, surpreendendo-a. 
Apresentações e cerimoniais realizados, então vinha o baile.
Os noivos dançaram, todos adentraram a pista de dança e então, discretamente, o irmão do príncipe tomou a mão da princesa para uma dança. "Preciso da chave de seus aposentos, subirei enquanto todos estão aqui em baixo e arrumarei uma mala necessária a você" o rapaz murmurou enquanto valseavam "Depois, me encontre no lugar que sempre nos encontramos my lady, não faça barulho se quiser levar o corcel. Fugirá esta noite e se quiser, nunca mais dará as caras aqui. Boa sorte, minha querida." , reverência feita e o rapaz sumiu entre as pessoas, com a chave que a moça discretamente havia lhe entregado. 
Horas mais tarde e ela decidiu subir devido ao cansaço que lhe abatera aquela noite e entre barulhos estranhos e fendas, visualizou seu noivo com os lábios em uma criada qualquer. Ele não era tão pobre coitado, ela poderia se vingar, poderia estar com quem quisesse, desde que fizesse isso em segredo. 
Em seus aposentos ela encontrou o rapaz, seu Salvador, finalizando sua mala e o surpreendeu ao trancar a porta atrás de si e ir de encontro à ele, colando os lábios e conduzindo-os para uma intensa noite de amor antes que partissem.
Ele saiu discretamente e ela não muito atrás, com extrema discrição. Chegaram aos jardins e o cavalo do rapaz alardeou os outros, acordando os guardas e caçadores, fazendo com que os dois tivessem de fugir em alta velocidade, desesperados, enquanto eram perseguidos por toda a guarda Real. 
Após atravessarem o rio coberto de gelo, o rapaz caiu do cavalo em meios as árvores devido à uma flecha que lhe atingira o coração. A moça parou pela segurança que tinha naquele instante e abaixou-se, inclinando o corpo por cima do corpo de seu amado, que sangrava com a flecha atravessada no coração. 
Seu corpo ia perdendo temperatura devido à morte que lhe chegava amigavelmente para lhe abraçar e a moça lhe tocou os lábios uma última vez, sendo correspondida fracamente e logo que separaram-se, a morte o levou nos braços e ela fechou seus olhos, pegando seu lobo e os cavalos e partindo em direção ao horizonte, vendo que finalmente estava livre.
Era solitária agora, mas finalmente estava livre...

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