Serenata...

Colocou o violão nas costas, o chinelo nos pés e saiu em direção àquela casa terracota com janelas de molduras brancas.
Não tinha o sorriso habitual porque o nervosismo não permitia, mas carregava uma animação incomum.
Nunca tinha feito nada do tipo e aquilo era loucura e que se os pais dela o pegassem lá, possivelmente o expulsariam a vassouradas do simpático e animado bairro baiano. Passou semanas escolhendo o que faria e como faria para surpreender a menina, que apelidaram de Moreninha. A música perfeita, o horário perfeito, o momento perfeito, o dia perfeito.... Era a primeira vez que fazia isso, então tinha que correr tudo da maneira mais perfeita, incrível e maravilhosa o possível..
Além de tudo, tinha uma suave impressão de que nunca tinha feito isto com a jovem garota. Triste se já tivessem feito, mas caso fosse isso, ele se esforçaria para ser o último e melhor de sua vida. Não fazia a mínima ideia se conseguiria ser o melhor ou o último para sempre porque ainda eram muito jovens, a noção de "para sempre" ainda era muito vaga e distante, ainda tinham muito o que viver e ser vivido para algum dia terem alguma definição decente do que era um verdadeiro "para sempre".
O caminho entre a cidade alta e a cidade baixa nem era tão curto mesmo que pegasse um atalho pelo Elevador, mas nem pareceu muito tempo porque naquele fim de tarde o mundo era colorido e animado e o garoto que nem tinha chegado aos 18 anos se enchia de alegria naquele momento a cada passo adiante que dava.
Chegou finalmente à seu destino e o céu róseo e alaranjado já dava espaço para o azul escuro quase negro noturno. Não tocou à campainha ou bateu palmas para chamar os moradores, lembrando novamente que ele seria expulso à vassouradas do bairro caso os pais da menina lhe vissem e compreendessem suas intenções erroneamente. 
Jogou uma pedrinha, que trouxera no bolso, na janela e sentou-se ali em frente em uma mureta, colocando o violão no colo e começando a tocar as primeiras notas e após uns 15 segundos, começou cantando, enquanto reparava na movimentação incomum dentro da casa.

Você é assim
Um sonho pra mim
E quando eu não te vejo
Eu penso em você
Desde o amanhecer
Até quando eu me deito...

A garota abriu a janela sozinha, com uma expressão desentendida, procurando de onde vinha o som e encontrou o colega de escola cantando com o violão no colo.

Eu gosto de você
E gosto de ficar com você
Meu riso é tão feliz contigo
O meu melhor amigo
É o meu amor...
E a gente canta
E a gente dança
E a gente não se cansa
De ser criança
A gente brinca
Na nossa velha infância...

Os pais da garota surgiram na janela ao lado dela e acompanharam o som da música, mais desentendidos que a menina que agora sorria enquanto via várias pessoas se aproximarem do garoto. E naquele sotaquinho arrastado o mocinho continuava cantando...

Seus olhos meu clarão
Me guiam dentro da escuridão
Seus pés me abrem o caminho
Eu sigo e nunca me sinto só...
Você é assim
Um sonho pra mim
Quero te encher de beijos
Eu penso em você
Desde o amanhecer
Até quando eu me deito...

E continuou cantando em seu sotaquino baiano e sua voz de menino que ainda nem se formou homem, fazendo a menina descer para a rua e se enfiar pelo meio dos vários transeuntes que pararam para ver o menino tocando e cantando aquela tão clichê música de novela que todos conheciam. A menina sorridente o observava e ele continuava sorridente percebendo que fizera sua menina sorrir largamente...

Você é assim
Um sonho pra mim
E quando eu não te vejo
Penso em você
Desde o amanhecer
Até quando me deito
Eu gosto de você
Eu gosto de ficar com você
Meu riso é tão feliz contigo
O meu melhor amigo
É o meu amor...

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