I'll leave when the wind blows...

Eram flores agora.
Largou a batalha e decidiu se render aos encantos.

Deitou-se com o ouvido no chão, aconchegou-se ali, esperando que deixassem-lhe finalmente sair daquele breu acinzentado que sua tão anteriormente colorida era. O que era? Onde estava? O que fazia? O que era agora? Não sabia. 
Encarava-se todas as manhãs e todas as noites no espelho redondo de mais bela moldura da confortável casa que morava, agora sozinha, e questionava-se sobre todas essas coisas. Não se reconhecia mais. A imagem ainda parecia fisicamente a mesma, mas em sua mais íntima emoção sabia que não era mais a mesma ou que pensava da mesma maneira. Óbvio que não pensava mais da mesma maneira, os anos se passaram e suas ideias obviamente mudariam com os mesmos assim como sua aparência e gostos. 
Nada fora do comum. 
Mas o que havia de tão errado? Não sabia e sabia que não saberia tão cedo. 
Havia algo errado e os espelhos não lhe diziam nada, as portas lhe obedeceriam de qualquer maneira, as maquiagens encobririam e os sonhos lhe alertariam sobre o que há de tão errado. Só que naquele momento, tão solitária naquela casa, não descobriria, por mais que os anjos viessem se comunicar consigo durante a noite em sonhos, ela nunca saberia o que havia de tão errado consigo. A solidão lhe consumia os sentidos e todas as noites suas lágrimas deixavam ardentes rastros em seu rosto que pareciam nunca cicatrizar e apenas doíam mais a cada lágrima que escorria pelo rosto de boneca. Tanta maquiagem e ali estava ela, deitada no chão frio do banheiro, com a orelha no mesmo, como se fosse possível ouvir algo na terra, como se houvesse algo naquele chão frio que fosse lhe sussurrar um segredo que lhe concertaria as emoções e os sonhos que foram brutalmente destroçados e largados pelo caminho. 
Metade do coquetel ainda jazia na pia e vários frascos se encontravam presentes ali junto, inclusive um placebo, e um copo de vodka pura. Talvez fosse efeito das pílulas com álcool que lhe causou aquela possível alucinação que lhe fez manter-se deitada no piso branco de mármore frio do banheiro como se algo fosse lhe segredar algo, que por isso necessitava do ouvido cuidadosamente encontrado junto ao chão. Talvez fosse uma alucinação de sua solidão, como se alguém estivesse lhe aguardando abaixo do piso e do concreto. Só tinha vários “talvez” em suas mãos e nenhuma certeza e possivelmente era isso que lhe causara a alucinação, mas não sabia que era uma alucinação. Havia uma real motivação para que estivesse daquele jeito, só não sabia qual era tal motivação, mas sabia que havia algo em especial naquele mármore frio.
O rosto estava gelando e ela fechara os olhos, aconchegando-se mais um pouco na parca de lã que vestia e começou a ouvir algo com o ouvido que estava no chão. Era ele. Era ele que finalmente viera lhe falar algo, lhe trazer algo para que aquela vidinha inútil naquele mundinho monótono voltasse a ter alguma cor além do incansável cinza e do incansável breu que lhe abrangia todos os dias que acordava. O vento vinha lhe falando algo e ela tentava entender aos pouquinhos, na maneira que a letargia do álcool em seu cérebro lhe permitia. 


“Go. Just go...” 

Foi isso que ouvira o vento lhe dizer e então sorriu, ainda de olhos fechados e o rosto de encontro ao mármore frio do chão.
E virou flores. Seus longos cabelos que antes espalhados pelo chão eram um emaranhado de fios acobreados, se transformaram em flores. Subindo pelos fios e sua cabeça, pescoço, tronco, braços, mãos, pernas, pés... 
Tudo virou flores... 
Tantas flores belas e leves que flutuaram janela a fora, neve a fora, noite a fora....
Quando acordou, após espalhar-se pela noite e vento à fora, já estava bem para continuar sobrevivendo por esse mundo em diante, enfim...

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