Be as beautiful as her


Tudo bem, ela era uma loira linda e cheia dos charmes e encantos, que andava com aqueles decotes extremamente insinuante em vestidos brancos esvoaçantes que se erguiam agitados pelo vento emitido daqueles trens novos, mas e eu? Eu era morena, sem cabelos brancos, expressão jovial, magra, moça de família, comportada, ótima filha, nova e.... Eu tinha um marido.
Eu tinha 20 anos e era casada com planos de ser engravidar em breve para ter um herdeiro para o empório de lojas que meu marido havia começado a trabalhar, herdando o pai.
Era isso que nos diferenciava.
Ela não era casada, era solteira e amante do Kennedy. Isso mudava tudo. Eu nunca seria tão desejada como antes se não fosse solteira como Marilyn Monroe era. Teria de ser loira, encurtar meus cachos largos, engordar um pouco e investir em roupas insinuantes e claras, ao invés daqueles tons sóbrios que eu usava sempre, pois assim, seria melhor do que aquela loira estrela de cinema com o qual todos os homens sonhavam e cantavam junto Diamonds are a girl's best friends. 
Cheguei em casa após passar pelos diversos cinemas que tinham até lá e todos estampados com aquela maldita, em um tamanho ridiculamente exponencial. Tive de usufruir de todas as possíveis maneiras para convencer meu inútil marido de me bancar as transformações e lembrá-lo que lhe seria a melhor esposa: Mais desejável que a Monroe e a perfeita dona de casa e mãe. Eu superaria aquela mulher nem que fosse a ultima coisa que eu fizesse.
As transformações foram progressivas e concordei em engravidar  porque sabia que essa seria a maneira mais fácil de engordar e que não receberia críticas, apenas os comentários curiosos e mal feitos dos vizinhos que percebiam as mudanças progressivas que eu vinha fazendo.
Em outubro de 54, Marilyn estava se desfazendo do que diziam ser seu segundo casamento com Joe DiMaggio. Me senti incrível por ter apenas um casamento que ja vinha perdurando desde os meus 20 anos e que não tinha nem sombra de divórcio por mais que nós dois mal convivêssemos e que dormíssemos como velhos. Eu tinha meu livro de cabeceira que era quase um manual de como ser a dona de casa perfeita e meu marido deitado quase dormindo e resmungando que eu não desligava a luz do meu abajour. Descobri que estava grávida no mês seguinte e isso me atrapalhou nos planos porque minha mãe fazia questão de me visitar várias vezes ao dia para se certificar de que eu não estava descolorindo o cabelo porque isso prejudicaria o bebê. Eu não poderia passar nove meses sem colocar um pingo de descolorante nesse cabelo, meu cabelo ficaria horrível de duas cores. Eu voltaria a colorir esse cabelo nem que fosse a última coisa que eu faria na minha vida.
Meus pais foram viajar de folga para comemoração de 25 anos de casados e passei até que bastante tempo sozinha já que meu inútil marido não reparava em nada em mim.
Descolori meu cabelo e me maquiei. Fiquei linda e tinha ganhado alguns quilinhos devido ao ser vivo que habitava em mim. Dei um tapinha suave na protuberância que se formava na minha barriga e agradeci àquele ser, falando que ele aguentaria mais um pouquinho e que mamãe ficaria linda para ele.
Não sei exatamente quanto tempo depois, mas acho que em março de 55, um mês depois da terceira aplicação do descolorante e da tinta com meu bebê ainda em útero, comecei a sentir dores insuportáveis e quando reparei, já estava descendo muito sangue na consistência mais assustadora o possível pelas minhas pernas e minhas dores estavam aumentando. Eu estava perdendo muito sangue e nem ao menos  sabia o porquê disso.
Fui me arrastando até o telefone e deixando aquele rastro em poças de sangue pelo assoalho de madeira até o telefone. Liguei para a emergência e falei que era caso de vida ou morte e pelo choro entrecortando minhas palavras, acho que foram capazes de compreender isso. Fui me quase me arrastando com os pés fixos no chão até a porta, em busca de pedir ajuda para quem fosse. Meu cabelo estava arrumado, impecável... Mas cai logo que terminei de descer desajeitadamente a soleira, ainda deixando o rastro de sangue por onde eu passava.
E sei que ouvi gritos.
Sei que ouvi gritos desesperados.
Sei que vi muitas pessoas em volta.
Sei que minha visão ficou turva enquanto se aproximavam
Sei que eu continuava chorando.
E além de tudo sei que nunca mais vivi desde então...

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