And if you come back...

Ela queria uma casa com dois cachorros, um pequeno e um grande, quintal e duas crianças, para nunca se sentirem sozinhas. Ele queria um apartamento com sacada e vista para o maior parque da cidade e uma criança só. Entraram em acordo sobre e continuaram.
Ele gostava da vida caseira e séries durante a tarde. Ela da vida noturna e das festas incansáveis que varavam noites e por vezes até varavam dias. Entraram em acordo sobre e continuaram.
Tiveram uma relação de acordos e mais acordos até continuarem. E quem disse que há algo errado nisso? Há aqueles que afirmam ser necessário e exigido para que haja uma boa relação, ambos os lados cedam, pois bem então. Ceda um pouco aqui e um pouco ali, uma colher (sopa) de muito amor e carinho e você tem uma relação maravilhosa. Possivelmente, não?
Um dia enquanto ela, que havia cedido a ideia de algumas festas para conhecer boas séries, estava em um episódio de suas favoritas, vestida numa camiseta escura que um dia fora dele, mas agora era pijama dela, e ali estava ele parado na porta com uma mala na mão e olhar acusador.
De que adiantou ela perguntar o que se passara, na maior calma e tranquilidade que um dia ele vira, se ele viria com palavras que avançavam na direção dela como adagas e espadas afiadas, cortando-lhe pedacinhos pequenos pequeninos a cada vez que eram arremessadas. O que fizera ela, além de fumar seus cigarros e dividir cervejas com ele ao longo das tardes enquanto via séries e filmes?
Não eram expectativas e nem esperanças, por mais que ela as alimentasse e as incentivasse todos os dias, em quase todos os momentos.
Era a maneira como ele falava.  A maneira como colocara as palavras, tão duras, diretas, afiadas e cruéis. Tão secas que soavam insanas, comparadas as doces e acalentadoras palavras que ele vinha lhe dizendo até então. Parecia haver ausência de sentido em todas aquelas palavras. Pareciam nem existir, devido ao baque que havia nelas. Todo aquele perfeito encaixe e aqueles perfeitos sorrisos haviam se desfeito e se partido. Caído por terra, ou no cinzeiro onde ela depositava as cinzas dos cigarros, mesmo. Onde fora parar todo o amor e os acordos para que o relacionamento continuasse?
Ele não a ouviu.
Nem quis.
Ela desistiu de falar
Ele bateu a porta ao sair e não quis mais ouvir nada.
Ela não queria mais ouvir tais acusações, infundadas e que eles tinha resolvido previamente, e que ele por razões desconhecidas havia decidido desenterrá-las, sem qualquer razão aparente e as palavras saíam tão loucas e tão coladas que nem havia como rebatê-las com a verdade.
Doeu? Sim, doeu infinitamente. Indescritivelmente.
Mas ela pegou um cigarro e uma cerveja, deu pause na série e foi até a varanda. Algumas poucas lágrimas caíram enquanto ela tirava alguns tragos e bebia alguns goles da cerveja e respirava bem lentamente, intercalando a respiração com o silencioso lamentar.
Não sabia quando ele voltaria a dar as caras lá. Mas sabia que só resolveria algo quando ele voltasse e se acalmasse. Se ele voltasse.
Do contrário ainda poderia trocar as trancas...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Crônica de Halloween

Oh, fuck it

Velho violinista