Aqui jaz a pior parte de mim

Contabilizou.
Era seu quinto amor que terminara e a quinta vez que se reconstruía parte por parte em busca de uma melhora pessoal que a fizesse superar plenamente a perda. Era a quinta vez que retirava fotos de porta-retratos, que borrifava seus próprios perfumes nos pelúcias que ganhara e pelos que tinha menos afeição, enviava-os para a caridade. Alguém viria a fazer um uso melhor deles do que a lata de lixo.
Revirava a casa na esperança de não haver mais nenhuma peça do dito cujo perdida em uma das madrugadas pois isso pouparia algum momento bem desagradável, onde ela tivesse que entregá-la ou pedir para alguém que o fizesse. Colocou as roupas que tinham o cheiro dele impregnado – especialmente as do último encontro – para lavar e não se daria por satisfeita enquanto a aroma não saísse.
As fotos sempre eram a pior parte. Muitas foram reveladas e adornavam suas paredes. Algumas poderiam ser cortadas e de nada modificaria seu rosto ou o contexto, outras não. Ele aparecia tão pertinentemente que não havia como retira-lo.
Infelizmente uma foto perdida.
E outra.
E mais uma.
E mais algumas outras também.
Tinha que excluir as do celular também.
Teoricamente eram as mais simples porque eram digitais. Mas as fotos mais especiais estavam todas guardadas e acumuladas ali. Conforme abria as imagens via seu sorriso e o dele e pensava “um dia achei que não haveria outro alguém a me fazer tão feliz”. A ideia era persistente e perdurou por um bom tempo, mais de um ano, na verdade. Ainda pensava um pouco nisso, mas na maior parte do tempo tinha boa convicção d que isso era mentira e que conseguiria sim ser tão feliz – ou mais, até – sem ele. Desde o término , infindáveis coisas ocorreram e agora ali estava ela: de pé no meio do quarto quase afogada em uma bagunça composta por fragmentos de lembranças, a qual acreditara que nunca teria necessidade de se desfazer, e ainda se questionava o que teria acontecido nesse meio tempo.
As coisas haviam mudado muito e ela não tinha muita certeza do que estava ocorrendo, mas sabia que estavam caminhando em uma direção desconhecida.  Em sua arrumação via que dos amores das dores mais doloridas e das lembranças mais trágicas é que carregavam as maiores mudanças. Vieram todos juntos, nas dores que ninguém gostaria de sentir e nas mágoas que ninguém gostaria de ter.
Sinceramente achou que não passaria e que não saberia nem como ver outro amor. Oh Deus, como errou feio aí. De tudo o que presenciou até então achei que não veria a tal da luz no fim do túnel tão cedo. O coração doeu e o peito apertou tanto, a cabeça sentiu e os membros também não perdiam a constante tremedeira pela ansiedade que lhe tomava a cada vez que o assunto era remexido.
E ali estava ela, remendando os espaços, reconstruindo os blocos, remontando os tecidos e reaprendendo a uma coragem que há muito pensou ter perdido. Viu que o que mais tinha era medo mesmo que muitas vezes se recusava a aceitar isso e que toda coragem que lhe acompanhou durante muitos anos estava perdida por ali dentro de si, aguardando só que ela largasse da acomodação e da sensação de que tudo estava bem, mesmo quando não estava nada nem um pouco bem.
Olhando as fotos via que havia algumas que continham amigos novos que fizera, alguns que levaria por longo tempo, outros nem tanto. Olhava agora as roupas e via o quanto mudara por ele, e via que estava cansada do que via. Era a hora de reorganizar as coisas. E o guarda roupa seria a primeira coisa a ser reorganizada...

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