The answers to your dreams are running in the crowd

Detestava grandes aglomerações, sempre detestou, mas tinha que voltar para casa e aquela era a melhor maneira. Não estava de bom humor, o cansaço pesava em seus ossos e a aglomeração criava um ambiente claustrofóbico que lhe pesava os ombros. Esperava não demorar tanto a chegar em casa porque realmente sentia uma necessidade quase desesperada de jogar-se no sofá e apenas olhar para o teto até que a sensação de cansaço cede-se minimamente. Sentia como se aquele dia fosse uma pequena amostra do inferno e a única coisa que lhe faria bem seria sua chegada em casa.
O fone de ouvido gritava algo que não tinha capacidade de concentrar-se por estar tão impaciente, portanto batia a frente do sapato e olhava inquietamente à seu entorno.
Um outro homem, tão engravatado quanto o este, encontrava-se tão impaciente e inquieto quanto e carregava além da valise, um bouquet e olhava o relógio metálico em seu pulso com frequência, como se assim fosse possível acelerar o tempo. Uma mãe brincava com sua criança pequena, pendurada em sua perna, para que a pequenina não infernizasse a ninguém ali e para que o tédio da mesma passasse. Uma idosa tinha a sorte de estar sentada e tricotava um casaquinho que pelo tamanho parecia ser para alguma criança com não mais de 2 anos. Na plataforma pessoas se aglomeravam e por fim seus olhos pararam na cena que ele viu entre duas pessoas que comprimiam-se para entrar no vagão.
Duas delicadas mãos seguravam – em frente ao rosto -- um livro de capa de um preto fosco e o mais incrível deste livro eram as bordas das páginas: eram tão negras quanto a capa.
Nunca vira um livro de aparência tão exótica e gostaria de saber quem era a dona dos cabelos arruivados lisos que se encontrava por de trás daquele livro tão exótico. A figura estava sentada nos bancos e mesmo do alto ele ainda não tinha como enxergar o rosto de tal criatura. Nem tinha como perguntar para a mesma sobre o estranho livro que ela já estava quase no fim. Decidira que descobriria qual o livro e se por ventura a encontrasse de novo, conversaria sobre este.
Alguns dias se passaram e ele estava novamente no mesmo trem cheio e claustrofóbico, inquieto e torcendo para que mais uma vez visse a figura do livro de capa e páginas negras. Descobrira o nome do livro, mas agora não sabia onde a moça se encontrava.
Bobo! Como era bobo! Percebera o quão tolo estava sendo. Quais as chances de encontrar a moça novamente? Nenhuma! Ela era apenas mais uma transeunte que um belo dia ele vira. Não se veriam mais e ele apenas veria milhões de livros exatamente iguais ao que ela segurava. Lembrar-se-ia das mãos, das unhas, da delicadeza e da suavidade na capa e nas páginas do livro. Mas não saberia o rosto, não saberia a textura e nem os olhos. Lembraria apenas das mãos que seguravam tão exótico e incomum livro. Amara brevemente um par de mãos com um livro e agora esperava encontra-lo novamente. Tolo. Pobre tolo.
A realidade o golpeara nos dias que seguiam-se e ele conformava-se aos poucos que não veria mais aquelas mãos.
E mesmo que visse, não teria certeza de ser da mesma pessoa, pois certamente existem milhões de pares de mãos com mesma suavidade e delicadeza que aquelas que ele viu noutro dia, pois não vira o rosto da pessoa que segurava o livro.
Deu um meio sorriso infeliz e encarou a janela que encarava quando vira o par de mãos segurando aquele livro de bordas de folhas negras. Um par de mãos segurava outro livro, com uma capa que variava em um bonito degradê de tons de rosa, da mesma maneira que as encantadoras mãos seguravam noutro dia.
Seria ela? Não sabia.
Via um pouco do rosto da moça dona das mãos. Estava atenta. Os olhos fixos e concentrados no livro: nada tiraria a concentração dela, e ele, apenas a observaria pois achara sua concentração bela. Longos cílios moviam-se apenas para piscar e... Bem... Todo aquele foco o encantara, mas ainda desejava saber se era a mesma moça que segurara o livro no outro dia. Possível, ao mesmo tempo que improvável.
Sabia que improvavelmente veria essa moça novamente.
Sabia muito bem também que não teria chance de falar com ela.
Ou que algum dia saberia se ela era a moça que segurava o livro anteriormente.
Contudo, lhe agrava o pensamento de que possivelmente sabia como eram as feições da moça que lhe encantara apenas com a delicadeza e suavidade com a qual ela segurara um livro em um momento em que ele perdia a cabeça...

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