Moço das flores


Era aquele moço das flores de novo, com seu carrinho descendo a rua de casa e tocando sua sineta avisando a todos que chegara. Com as cores em seu carrinho e a suavidade de seus grisalhos cabelos ele sorria e cumprimentava todos que lhe cruzavam o caminho pela rua. Aquele era um bom homem.
Oferecia, em agrado, flores às crianças e às moças e aos rapazes, questionava-lhes se não queriam levar uma flor para as amadas. Todos os conheciam, mas ninguém sabia seu nome ao certo. Para uns ele era o velho das flores, a outros ele era o homem das flores e pra mim era o moço das flores. Tinha idade avançada sim, mas continuava sendo moço com aquele simpático sorriso que cativava à todos que cruzavam seu caminho. Eu nunca tinha cruzado com ele, só o via passando para lá e para cá na rua, duas vezes ao dia, pela janela de minha casa. Ele nunca me vira e eu o observava escondida, evitando também que qualquer um me visse.
Eu era amarga e não compreendia como ele conseguia ser tão contente sempre que o via. Não sabia seu nome, ou história, mas ele era simples. Seu carrinho era um daqueles que alguns mendigos carregavam, que colocavam papelão. Ele carregava um daqueles como se fosse um animal de carga, com uma daquelas sacolas renováveis toda gasta pendurada no ombro com várias flores dentro, que eram as que ele dava em agrado aos que passavam.
Aquele homem tinha uma simpatia incomum de ser vista por aí e todos achavam que receber uma flor dele era motivo para um dia todo de alegria. Fizesse chuva ou sol, mesmo que fosse apenas uma violetinha que ele desse, era motivo para iluminar o rosto do sortudo ser que a recebera. Meu pai com sua habitual carranca recebeu um lírio quando saía de casa para o trabalho e o moço lhe disse "Dê-a para sua esposa, ela ficará feliz com o agrado", a princípio meu pai estranhou, mas aceitou e realmente, minha mãe ficou feliz. Tinha tido um dia difícil e quando recebeu a flor, um sorriso brotou em seus lábios. Seu dia tinha melhorado.
Um dia me atrasei e acabei por ficar com tempo de sobra para chegar à meu destino fui caminhando com calma. Cruzei com o homem, ele me sorriu, desejou-me bom dia, respondi e ele me estendeu um girassol. Aceitei a cortesia e ele me disse, encarando-me com um sorriso "Você é muito amarga criança. É muito jovem para ser tão amarga e está sempre muito triste por águas passadas. Seu silêncio não precisa ser tão carregado de mágoas que apenas lhe corroem. Tudo se acertará em breve crianças."
Ouvi suas palavras com atenção e agradeci a flor. Um girassol. Sunflower.... Condizente com o que ele havia me dito, pensei. Agradeci e prossegui meu caminho, encarando o enorme e redondo girassol que eu tinha em mãos e que eu girava o caule, fazendo-o me encarar várias vezes, quase como se sorrisse para mim.
Possivelmente aquele homem estava certo, pensei novamente.
Duas semanas mais tarde ele se despediu das pessoas da rua, numa sexta feira de muito Sol, na primavera, e disse que estava partindo para outras ruas, outros bairros, porém, nunca esqueceria dos sorrisos que fizera florescer nesta rua.
Fiz questão de estar presente no último dia dele em minha rua. Guardei o girassol por dias, até que ele morresse, e quando ele se fora, a flor estava para morrer. Porém em seu ultimo dia trabalhando tão por perto de onde eu me localizava frequentemente, decidi que compraria um bouquet inteiro para guardar de recordação. Fotografei o moço das flores, fotografei as flores e o bouquet.
Na semana seguinte, ele não estava mais passando lá. Nem na outra, nem nunca mais.
Mas eu tinha as recordações e as flores continuavam vivas em um vaso, bem próximo à janela da qual eu sempre o observava...

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