Just remember who I am in the morning
Acendeu um
cigarro, caminhou tranquilamente pela sala até a janela, encarando a estante
lotada de livros e a enorme TV posicionada no centro oposto da parede. Tanta
informação que lhe vinha e mesmo assim tinha tais lapsos de sentir-se perdida e
sem saber para onde ir. Debruçou-se no parapeito e observou o movimento lá
embaixo.
Tão pequenas
e tão miúdas. Movendo-se freneticamente em destinos desconhecidos que quem os
observava tão distante daqueles infindáveis mundos nunca saberia. Nem havia qualquer
porquê que fosse, também.
Encarou os
livros mais uma vez e refletiu mais um pouco.
Gostava de
escrever alguns rabiscos por ai. Mas gostava muito mais de ler algum rabisco
que alguém um dia compilara e encadernara e colocara em uma livraria ou em um
sebo qualquer, de maneira bem conservada. Cansava-se de conviver apenas com a
própria história e gostava de ouvir as histórias, as dores e os pecados
alheios. Fazia com que se sentisse mais humana. Menos incorreta ou deslocada.
Deslocada. Deslocada,
repetiu para si mesma.
Ela sempre
seria uma...
A camisa de
botões que vestia era fina e a luz do pôr do sol fazia com que houvesse uma
transparência, revelando as curvas que com o tempo foram se formando. A veste
que sobrepunha a lingerie era de um ex-namorado. Ainda tinha um pouco do aroma,
mas não a incomodava. Aquilo lhe trazia boas lembranças, mas boas lembranças
que ela não fazia questão de que retornassem. Uma amiga lhe dissera que tudo
tem um propósito.
A amiga
tinha acertado.
Não só daquela
vez.
Vinha
colecionando dores há algum tempo já e continuava a buscar nos livros uma
salvação ou pelo menos um ombro amigo, já que nunca tivera muitos. Mas já havia
sido avisada de que crescer tem lá suas dores. Ela simplesmente não se
arrependia de nenhuma delas.
A infância não
tinha sido nada de mais. Era feliz mas nada que a fizesse pensar “não quero
crescer nunca!”. Queria crescer e sempre ouvira que se arrependeria porque a infância
é a melhor época da vida e milhões de outras razões. Queria crescer e agora que
crescera, não era tão ruim assim. Só tinha algumas dores com a qual ela podia
conviver. Com a qual ela devia conviver como o ônus do bônus que recebera.
Sentia a
solidão sentar-se a seu lado e fazer-lhe companhia. Vez ou outra lágrimas
fugiam. Mas qual era o problema nisso? Todos precisam da companhia de si mesmos
as vezes. Os livros e o trabalho lhe ocupavam o tempo, então não havia
problemas, fazia parte de crescer.
Quando ainda
não se cresceu, ninguém te avisa que ao crescer você estará sozinho. Que muitos
dos amigos que achou que levaria para sempre, caminharão por seus próprios caminhos,
tão sozinhos quanto você, e que muitas pessoas procurarão uma maneira de não
sentir-se sozinhas no amor. Mas ele também vai te decepcionar, te quebrar e te
magoar até que você encontre alguém que realmente te prolongue e te faça
acreditar (e mostrar) a melhor parte de si mesmo, e que não bastando isso,
quando esse tal chegar, todos os outros vão virar alguma bobeira que serviram
para te ensinar algo. Provavelmente ninguém vai te contar que crescer dói, e que
machuca e que vai te ferir por dentro de todas as possíveis maneiras, mas que
vai ser assim que você vai acabar crescendo e aprendendo a lidar com o que está
na sua frente.
E ao ver
todos esses pensamentos passando por sua mente, ela sorriu.
O mundo
ficou um pouquinho mais colorido com esses pensamentos e até o cigarro perdeu
um pouco o gosto, já que é uma das melhores fugas que encontrara. Pôde se
livrar daquele. Em breve estaria com outro, mas aquele já exercera sua função.
O peito não apertava mais, apenas estufava momentaneamente por perceber que havia
um sucesso ali, que ela havia aprendido todas aquelas coisas e que ainda estava
bem.
Aprendera
mais uma coisa também: felicidades que vinham instantaneamente sem grandes
esforços eram as melhores de todas .
E continuou
a observar as pessoas, pequeninas, rápidas e em constante movimento na calçada
a metros de distância...
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